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Perspectivas de desenvolvimento da vacina Sars-Cov-2

O coronavírus SARS-CoV-2 é o agente etiológico da doença covid-19. O primeiro caso ocorreu em Wuhan, na China, e foi informado ao mundo em dezembro de 2019. O vírus se disseminou para outros países, expandindo com enorme velocidade, e, em 11 de março, menos de três meses após o primeiro caso, foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como pandemia. Em 13 de abril, apenas um mês após o reconhecimento da pandemia pela OMS, foram informados globalmente quase 2 milhões de casos e mais de 116 mil mortes, segundo dados do centro americano Johns Hopkins University. Pesquisadores do Imperial College, de Londres, publicaram no periódico Lancet, em 16 de março deste ano, estudos mostrando que, mesmo tomando medidas precoces de restrição, contenção e isolamento da população, a estimativa para o Brasil seria de cerca de 12 milhões de casos e 44 mil mortes, em um período de 250 dias após o primeiro caso – registrado em 26 de fevereiro, segundo o Ministério da Saúde. São números impressionantes e mostram o sentimento de urgência na busca de medicamentos que sejam eficazes e seguros, assim como de vacinas para a prevenção da doença.

O cenário hoje é bem diferente das epidemias anteriores de coronavírus, como a de SARS, ocorrida em 2002-2003 e que determinou mais de 8 mil casos e 774 mortes, e a do MERS, de 2012, que registrou 2,5 mil casos e 862 mortes. Após o surgimento, arrefeceram e praticamente desapareceram, sem nenhuma medida especial de contenção. O atual SARS-CoV-2 tem uma característica especial de rápida e alta disseminação, por gotículas nos espirros, contatos nas superfícies, contatos físicos interpessoais ou grupais, em aglomerados, pelo aerossol. O vírus penetra pelas vias aéreas superiores, onde inicia a infecção, seguindo para os pulmões e daí para outros órgãos. Sendo a população do mundo susceptível ao SARS-Cov-2, a infecção vem ocorrendo de forma indiscriminada em pessoas de todas as idades, com menor impacto em crianças e maior gravidade em pessoas mais idosas e aqueles com comorbidades. Pela dimensão global da epidemia, os peritos da área têm expectativa de que a covid-19 se tornará endêmica, podendo no futuro causar surtos, limitados a uma região do país ou não, ou acometendo de forma sazonal, como ocorre com a influenza.

Vacinas em desenvolvimento para Covid-19

São mais de 47 projetos em andamento no pipeline global e todos se encontram na fase inicial de desenvolvimento. Pela complexidade das múltiplas etapas requeridas para o desenvolvimento de uma vacina, mesmo com adoção do fast track, existe um sentimento de que vacinas não serão desenvolvidas a tempo para controlar a atual pandemia. Entretanto, muito provavelmente esta virose poderá se tornar uma doença endêmica e será de grande importância dispor de uma vacina eficaz, segura, e efetiva para prevenção da covid-19.

Várias abordagens tecnológicas vêm sendo utilizadas, como as vacinas de vírus atenuados, vírus inativados, vacinas recombinantes e vetorizadas. Outra vertente da biologia molecular são as plataformas de mRNA e DNA, e, como não existe nenhuma vacina aprovada utilizando estas vias tecnológicas, haverá inúmeros desafios, sendo o maior deles conquistar a confiança da comunidade científica e da sociedade.

Buscam-se também os peptídeos sintéticos, identificados por modelagem in sílico específicos para o Sars-CoV-2, com maior espectro de reação cruzada para coronavírus, com apresentação em VLP ou em nanopartículas. Os peptídeos poderiam ser produzidos rapidamente encurtando o tempo de desenvolvimento e com baixo custo de produção. Recentemente, foi descoberto que o vírus utiliza uma proteína da espícula (spike) para infectar as células, e é ativada por uma enzima existente em várias células de tecidos humanos, como do pulmão, fígado, intestino delgado. E o vírus adere a um receptor de células humanas, chamada enzima 2 conversora de angiotensina (ACE 2). Certamente os grupos envolvidos no desenvolvimento de medicamentos e vacinas deverão levar essa característica do vírus em consideração.

Dois projetos estão já desenvolvendo estudos clínicos de Fase 1 – o da empresa Moderna, que utiliza a tecnologia mRNA, e o da CanSino-Beijing Institute of Biotecnology, que utiliza adenovírus como vetor de expressão. Os demais ainda estão em estudos pré-clínicos ou em fase de pesquisa inicial.

Existe uma grande expectativa de que, somente com uma vacina eficaz e segura, esta pandemia será controlada. Neste contexto a empresa Johnson & Johnson acaba de anunciar um investimento de US$ 1 bilhão de dólares, para produzir 1 bilhão de doses de vacina até o final de 2021. Ainda assim, em uma estimativa otimista, mesmo utilizando-se fast track e com autorização e aprovação de autoridades regulatórias, nenhuma vacina estará disponível no mercado nos próximos 18 meses.

Dificuldades para desenvolvimento da vacina Sars-Cov-2

Existem inúmeras dificuldades para o desenvolvimento de vacinas para covid-19. Uma delas é a existência de poucas informações sobre a doença. É preciso ter informações científicas da causa da alta letalidade em idosos e indivíduos com comorbidades e outras informações necessárias para definir o perfil da vacina requerida. Certamente, um dos importantes requisitos é conferir a proteção dos idosos, sendo este grupo o mais difícil, pois é o que desenvolve menos anticorpos protetores.

Outra questão relevante e de grande preocupação se refere à necessidade de dados científicos referentes ao agravamento dos sintomas da doença com a aplicação da vacina de SARS-CoV-2. O fenômeno foi observado em animais de laboratório, quando foram realizados os experimentos de algumas dessas vacinas. Sabemos de outras viroses que determinam agravamento da doença quando existe a infecção após a vacinação, como RSV, dengue e sarampo inativada. Qualquer vacina da covid-19 deve demonstrar a ausência de aumento de reações adversas no vacinado. Tampouco existem dados sobre a imunogenicidade conferida pelo vírus, tempo de duração da imunidade, material de referência como vírus semente, células para cultura, soros e outros insumos.

Além disso, há a falta de um modelo animal de laboratório, essencial para os estudos pré-clínicos, hoje restritos a primatas não humanos, como o rhesus e os camundongos transgênicos com proteína ACE 2, cujas disponibilidades são muito restritas. Há também carência de instalações para os trabalhos laboratoriais, pois os experimentos com o vírus Sars-CoV-2 devem ser realizados em instalações de segurança de nível 3, protegendo os pesquisadores e evitando escape de vírus ao meio ambiente.

Estudos clínicos

Na situação atual de desenvolvimento da vacina contra covid-19, a melhor estratégia global será o de apoiar todas as iniciativas de desenvolvimento que estão em curso, por meio de aceleradores como os criados pela Coallition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI) para vacinas e pela Fundação Bill e Melinda Gates para medicamentos. À medida que forem produzindo dados e novos conhecimentos científicos e tecnológicos, haverá naturalmente uma seleção das plataformas mais promissoras, que mostrem a eficácia do produto, um perfil risco-benefício favorável, a possibilidade de escalonamento e baixo custo de produção, e um produto com preço capaz de ser utilizado por todos os países do mundo.

Como afirmado anteriormente, o fast track com aprovação das autoridades regulatórias deverá ser utilizado. Isso inclui estudos em paralelo, e não sequencialmente, como normalmente é feito. Ou seja, mesmo sem resultados definitivos dos estudos pré-clínicos, segue-se para a fase 1 de estudos clínicos. Da mesma forma, avança para a fase 2 de estudos clínicos sem resultados definitivos da fase 1. Assim se diminui substantivamente o tempo requerido para o desenvolvimento da vacina. Além disso, poderiam ser realizados estudos clínicos de várias vertentes tecnológicas ao mesmo tempo, o que permitiria ter mais dados e a seleção da vacina com melhor resultado.

Outra alternativa, que vem sendo discutida por especialistas de estudos clínicos, é a realização de estudos de “desafios”. Ou seja, um grupo de voluntários jovens, saudáveis, é vacinado e, após duas a três semanas, período suficiente para a formação de anticorpos, é desafiado com vírus selvagem do SARS-CoV-2. No esquema desse estudo, pode ser incorporado um grupo placebo de voluntários, o que permitiria a obtenção de melhores dados e uma análise mais profunda da eficácia da vacina. Esse tipo de estudo já foi realizado no desenvolvimento da vacina de cólera, febre tifoide e influenza. Existe a possibilidade de se realizarem esses estudos quando forem desenvolvidos medicamentos eficazes, capazes de interromper a doença, suspendendo-se o estudo tão logo seja observado qualquer problema de saúde nos voluntários. Mas há várias outras questões éticas que precisam também ser equacionadas antes da autorização do estudo.

Da descoberta ao produto

São inúmeras etapas que necessitam ser implementadas da descoberta ao produto para utilização, especialmente no caso dos medicamentos e biológicos para uso em humanos. E cada etapa exige recursos humanos com experiência, conhecimentos científicos e tecnológicos específicos, instalações e equipamentos especiais que atendam às exigências regulatórias, além de enormes investimentos na implantação e operação.

Esse não é um grande problema para os países desenvolvidos. Todos eles fazem há décadas enormes investimentos em pesquisa e desenvolvimento na área de Ciências da Saúde – nos Estados Unidos são mais de 100 bilhões de dólares ao ano. O avanço acelerado da biotecnologia nas últimas décadas é decorrente dessa política de ciência e tecnologia dos países desenvolvidos. As novas descobertas são rapidamente transformadas em produtos, especialmente pelos inúmeros laboratórios de startups e enormes investimentos que as grandes multinacionais fazem em desenvolvimento tecnológico. As grandes farmacêuticas, na média, investem 20% do seu faturamento, ao redor de US 20 bilhões de dólares, para buscar novas tecnologias e novos produtos. Nesta pandemia da covid-19, as grandes multinacionais estão presentes e estão investindo fortemente na descoberta de novos medicamentos e novas vacinas.

O Brasil também tem feito investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, buscando fortalecer a biotecnologia e outras tecnologias importantes para capacitação científica e tecnológica do País. Temos algumas instituições de pesquisa que fazem importantes descobertas científicas, mas que não são transformadas em produtos, pela existência de enormes lacunas – o chamado vale da morte – para se chegar ao produto. Além disso, o investimento tem sido disperso e de valor muito aquém das necessidades para que se consiga competitividade frente às instituições de países desenvolvidos. Assim, ficaremos dependentes de importação de importantes insumos estratégicos para a saúde, como mostra a atual pandemia de covid-19.

Conclusão

As lições aprendidas nesta pandemia de covid-19 poderão certamente resultar em um enorme avanço científico, tecnológico e social em escala mundial no campo das vacinas, acelerando de forma exponencial o seu desenvolvimento e a sua disponibilização à humanidade. Com essa perspectiva, é crucial para o Brasil assegurar com a maior urgência a criação de uma estrutura inovadora de PD&I de vacinas, criando uma política de Estado, com investimentos suficientes e de longa duração, para resposta rápida à pandemia, nos moldes da CEPI. Essa nova estrutura possibilitaria, sob orientação de Bio-Manguinhos/Fiocruz, do Instituto Butantan e de outras instituições da área, a atuação integrada de agências nacionais (CNPq, FINEP, FAPs, BNDES) e internacionais de apoio à PD&I (Fundação Bill e Melinda Gates, The Wellcome Trust, Global Health Fund e outras), possibilitando acelerar a disponibilização de vacinas inovadoras à população brasileira, evitando a enorme dependência de importação desse insumo estratégico para o País.

Akira Homma, vice-presidente de Biotecnologia da ABIFINA, assessor científico sênior Bio-Manguinhos/Fiocruz; Cristina Possas, assessora científica sênior Bio-Manguinhos/Fiocruz; Beatriz Fialho, membro do Grupo de Prospecção do COVID-19, Bio-Manguinhos-Fiocruz.

Este artigo teve a colaboração também de Marco Alberto Medeiros, Ramon Lemos Calaça das Neves e outros.