Divulgado na sexta-feira (15/10), o Boletim do Observatório COVID-19 Fiocruz defende que o sucesso no controle da pandemia no atual estágio em que o Brasil se encontra requer – além de elevada cobertura vacinal -, a associação de outras medidas como passaporte de vacinas e uso de máscara. Para ilustrar, traz exemplos das estratégias adotadas pela Singapura e Inglaterra, que viram os casos de COVID-19 voltarem a crescer em seus países.
Na visão dos pesquisadores do Observatório COVID-19 Fiocruz, responsáveis pelo Boletim, com menos de 50% da população com esquema vacinal completo, é fundamental que o Brasil adote o passaporte vacinal como uma política pública de estímulo à vacinação e proteção coletiva, além de reforçar para a população a importância da manutenção de outras medidas, como o uso de máscaras, higienização das mãos e o distanciamento físico e social. Eles ressaltam que a combinação deste conjunto de medidas é fundamental para garantir um processo cauteloso de retomada das atividades, a exemplo do que vem sendo realizado em Singapura, país considerado exemplar no enfrentamento da pandemia.
“No Brasil, além do aumento da vacinação e da continuidade de medidas protetivas, a retomada de muitas atividades presenciais que foram suspensas durante a pandemia coloca a necessidade de readequar ambientes de convívio com filtros ou melhores condições de ventilação e prever estratégias de vigilância epidemiológica, com ampla testagem. A pandemia ainda está em curso. Estamos avançando, mas não podemos negligenciar cuidados que ainda se fazem fundamentais”.
A nova edição sinaliza que, ao longo das duas últimas semanas epidemiológicas, vem sendo reduzida no Brasil a velocidade na queda dos indicadores da mortalidade, incidência de novos casos novos de COVID-19 e no índice de positividade de testes de diagnóstico. Os dados mostram que, em agosto e setembro (SE 24 a 38), houve uma redução média de 2% de nos casos e óbitos por dia.
Nas Semanas Epidemiológicas 39 e 40 (26 de setembro a 9 de outubro), a redução de casos média diária foi de 0,5% e de 1,2% para óbitos. A taxa de letalidade se encontra atualmente em torno de 3% e permanece alta em relação a outros países. Foi observada também uma tendência de estabilização de alguns desses indicadores, o que indica a permanência da transmissão do vírus Sars-CoV-2, porém com menor impacto na geração de quadros graves, internações e óbitos de por COVID-19.
Apesar da redução da velocidade na queda desses indicadores da pandemia, desde julho de 2021, com a intensificação da vacinação, o país vem registrando um diminuição na incidência de casos novos, nas ocupação de leitos UTI e taxas de mortalidade. Outro resultado positivo é que, na última semana, nenhuma macrorregião de saúde registrou taxa de Sindrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) acima de 10 casos por 100 mil habitantes, após várias semanas com registros de taxas muito altas.
Óbitos
Os novos dados apontam queda nos óbitos, com o avanço da vacinação, que se aproxima de 50% com esquema vacinal completo. Os pesquisadores destacam que, por outro lado, este novo cenário traz algumas questões importantes. Uma delas é que com grande parte dos adultos já vacinados, os indicadores demográficos mostram que os casos de internação e de óbitos continuam muito concentrados entre os idosos.
Leitos de UTI para COVID-19
As taxas de ocupação de leitos de UTI COVID-19 para adultos no SUS mantêm-se em patamares baixos em praticamente todo o país. Comparando dados obtidos no dia 11 de outubro com os obtidos no dia 4 de outubro, a análise destaca a reversão da tendência de crescimento do indicador que vinha sendo observada no Espírito Santo nas três semanas anteriores. O estado permanece na zona de alerta intermediário, mas a taxa caiu de 75% para 65%. Também ressalta a situação do Distrito Federal, que se mantém na zona de alerta crítico, com taxa ainda mais elevada (na última semana era 83% e passou a 89%), embora parte do aumento no indicador possa ser explicado pela retirada de leitos. Adicionalmente, observou-se uma elevação expressiva do indicador no Ceará (32% para 48%).
Foram registradas reduções nos leitos de UTI COVID-19 para adultos no SUS em Rondônia, Amazonas, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal. Além disso, leitos que já não vinham sendo contabilizados no Maranhão voltaram a ser contabilizados, explicando parcialmente a queda do indicador no estado de 32% para 14%.
No balanço geral, o Distrito Federal está na zona de alerta crítico (89%), o Espírito Santo está na zona de alerta intermediário (65%) e os vinte e cinco demais estados estão fora da zona de alerta: Rondônia (36%), Acre (6%), Amazonas (24%), Roraima (27%), Pará (23%), Amapá (11%), Tocantins (27%), Maranhão (14%), Piauí (52%), Ceará (482%), Rio Grande do Norte (35%), Paraíba (25%), Pernambuco (51%), Alagoas (30%), Sergipe (18%), Bahia (28%), Minas Gerais (23%), Rio de Janeiro (44%), São Paulo (30%), Paraná (46%), Santa Catarina (42%), Rio Grande do Sul (56%), Mato Grosso do Sul (20%), Mato Grosso (31%) e Goiás (49%).
Entre as capitais, Brasília (89%) permanece na zona de alerta crítico, e Vitória (63%) e Porto Alegre (63%) na zona de alerta intermediário. Porto Velho e a cidade do Rio de Janeiro deixam a zona de alerta, valendo destacar que, na última, isto ocorre pela primeira vez desde que os pesquisadores do Boletim começaram começamos a monitorar o indicador, em julho de 2021.
Vinte e quatro capitais estão fora da zona de alerta: Porto Velho (57%), Rio Branco (6%), Manaus (57%), Boa Vista (27%), Belém (0%), Macapá (12%), Palmas (39%), São Luís (8%), Teresina (51%), Fortaleza (39%), Natal (37%), João Pessoa (24%), Recife (a taxa específica de Recife não foi divulgada, mas consta do Boletim publicado pela Secretaria de Saúde do município que todos os leitos municipais de UTI Covid-19 já foram desativados; há leitos em níveis de atenção de menor complexidade), Maceió (51%), Aracaju (18%), Salvador (26%), Belo Horizonte (50%), Rio de Janeiro (59%), São Paulo (38%), Florianópolis (57%), Campo Grande (21%), Cuiabá (40%) e Goiânia (39%).
Análise demográfica
A mediana de internações, ou seja, a idade que delimita a concentração de 50% dos casos, chegou ao menor patamar entre a SE 23 (06 a 12/06) e 27 (04 a 10/07), de 51 anos. Na SE 39 a mediana foi de 67 anos. Para os óbitos, a menor mediana foi de 58 anos, observada entre a SE 21 (23 a 29/05) e SE 24 (13 a 19/06), e na SE 39 foi de 73 anos. Para as internações em UTI, o período de menor mediana foi o mesmo que o dos óbitos (53 anos), e na SE 39 o patamar foi de 68 anos. A média de idade das internações, internações em UTI e óbitos na SE 39 foi, respectivamente: 62,3; 63,7 e 70,8 anos.
Após o início da vacinação entre adultos jovens, a média e mediana de idade dos três indicadores – internações gerais, internações em UTI e óbitos – voltaram ao patamar superior a 60 anos. Isto significa que mais da metade de casos graves e fatais ocorrem entre idosos. No entanto, embora a média e mediana de idade para casos hospitalizados mantenha tendência de aumento, a média e mediana de idade dos óbitos encontram-se estáveis há três semanas. A proporção de casos internados entre idosos, que já esteve em 27% (SE 23, 06 a 12/06), hoje se encontra em 62,1%. Já para os óbitos, que encontrou na mesma semana 23 a menor contribuição de idosos (44,6%), hoje se encontra em 78,9%.
As internações em leitos de terapia mantém-se o panorama de maior contribuição relativa das faixas etárias mais idosas entre as internações em UTI. As faixas etárias de 60 a 69 anos e 70 a 79 anos representam os grupos etários de maior contribuição relativa nas internações em UTI.
Taxa de positividade
A taxa de positividade dos testes também sofreu grandes oscilações, o que pode indicar a manutenção de patamares altos de transmissão do vírus da COVID-19. A análise chama atenção que a redução da mortalidade e menor redução da incidência podem ser resultado das campanhas de vacinação, que seguramente reduzem os riscos de agravamento da doença, mas não impedem completamente a transmissão do vírus Sars-CoV-2. Esses e outros dados para monitoramento da pandemia em estados e municípios podem ser acessados pelo sistema MonitoraCOVID-19.
Taxa de letalidade
A taxa de letalidade se encontra atualmente em torno de 3% e permanece alta em relação a outros países que adotam medidas de proteção coletiva, testagem de suspeitos e seus contatos, bem como cuidados intensivos para doentes graves. As maiores letalidades foram observadas nos estados de Roraima (14,3%), São Paulo (9,7%), Rio de Janeiro (6,8%) e Alagoas (5,6%), mas esses próprios valores devem ser tomados com cautela, já que podem ser resultado da irregularidade da disponibilização de dados.
Oscilações
Têm sido observadas ainda grandes oscilações no fluxo de divulgação de dados, principalmente de casos, que são registrados no sistema e-SUS. No Acre, por exemplo, o número de casos registrados cresceu inacreditáveis 450%. No Ceará, após algumas semanas de queda do número de casos e óbitos, os registros aumentaram de forma abrupta em cerca de 4%. Outros estados, como o Amapá mostraram, simultaneamente, um forte aumento no número de casos (5,7%) e redução no número de óbitos (-3,1%). Essas fortes oscilações não se justificam pela epidemiologia da doença e são devidas atribuídas a problemas de confirmação, notificação, digitação e disponibilização de registros de casos e óbitos.
O Observatório COVID-19 da Fiocruz, portanto, adverte para interpretações equivocadas que essas variações podem induzir, e, ao mesmo tempo, reforça a necessidade de se aprimorar o sistema de vigilância epidemiológica, principalmente no contexto da pandemia de Covid-19. Assim como manter a qualidade e rapidez de divulgação dos dados coletados em sistemas de informação. Sem essa providência, medidas inadequadas podem ser tomadas com base em dados incompletos ou sujeitos a atraso.
Estratégias de enfrentamento: Singapura e Inglaterra
Experiências de outros países já vêm demonstrando que o sucesso no controle da pandemia neste novo estágio requer, além da elevada cobertura vacinal, a associação de outras medidas. Desde o início da Pandemia por COVID-19 as estratégias de enfrentamento adotadas pelo governo de Singapura foram consideradas como um exemplo de sucesso. O país fechou suas fronteiras, realizou ampla testagem e rastreamento de casos na população e foi um dos primeiros países da Ásia a solicitar vacinas. Atualmente, Singapura volta a se apresentar como um exemplo para o enfrentamento da pandemia, desta vez mostrando que a vacinação, ainda que importante, não deve se constituir como estratégia isolada.
Apesar de já ter alcançado o valor de 83% de sua população com esquema vacinal completo, em setembro o país voltou a registrar uma elevação no número de casos. Os hospitais voltaram a apresentar saturação na capacidade de atendimento, com longas filas nos setores de emergência. Diante disso, o governo restabeleceu a adoção de medidas restritivas e de distanciamento físico e social. A atual estratégia do país consiste em revisar suas restrições e realizar ajustes de acordo com a situação epidemiológica, sendo possível a necessidade do uso de máscaras, viagens limitadas e distanciamento físico e social até 2024.
Segundo os pesquisadores, o exemplo de Singapura, que caminha no sentido de uma reabertura lenta e cautelosa contrasta com exemplos de outros países, como a Inglaterra, que determinou uma data específica (19 de julho) para a suspensão de todas as medidas de distanciamento físico e social, uso de máscaras, bem como os limites para o número de pessoas em eventos em ambientes abertos ou fechados. Nesta data, o país havia alcançado o valor de apenas 54% de sua população com o esquema vacinal completo. Atualmente, o país apresenta registros de mais de 500 mortes e entre 150 mil e 200 mil casos confirmados de COVID-19 por semana, muitos dos quais resultarão na COVID-19 longa.
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Fonte: Regina Castro, da Agência Fiocruz de Notícias. Imagem: Freepik.